Por favor,quando a senhora vier me buscar, poderia providenciar meus biscoitos prediletos para o café-da-manhã,esse é um último e único desejo...
Esse foi meu último suspiro antes de dormir.
Naquela noite tinha passado horas rodopiando no quarto,vendo tudo girar ligeiro com cores e formas variadas. Caí cansada no chão,deitei, olhei para o meu teto de estrelas e mais uma vez me veio a culpa por ter mechido na caixa de remédios da mamãe.
Tudo se tornou diferente depois que comi aquela balinha colorida e redonda da caixa pensando ser confete,comecei a sentir uma forte dor na barriga,daquelas brabas que mandam a gente direto para o banheiro. Era tanto ai,ai que eu já não conseguia prestar atenção em mais nada. Logo eu,que sempre usava o banheiro como esconderijo,gastava horas lendo os rótulos de xampu. Agora estava lá,por danação,como disse a mamãe,tinha era que aguentar morrer de tanta dor.
Aquela frase martelava a minha cabeça - eu ia morrer de tanta dor,eu ia morrer.
Mas logo eu,com apenas nove anos,tinha que morrer de dor.
Aquilo me perturbou bastante,fiquei assutada e amedrontada ao mesmo tempo.
Pra mim a morte era algo que só aparecia pra gente grande,os levava para um passeio e nunca mais trazia de volta.
O que será que ela queria comigo, eu nem era grande e nem tinha obrigações,ainda não tinha idade pra morrer.
Aposto que onde ela mora nem tem passatempo pra criança.
E os meus brinquedos? Os meus amigos? Minhas perguntas só aumentavam e não havia ninguém pra respondê-las.
E os meus brinquedos? Os meus amigos? Minhas perguntas só aumentavam e não havia ninguém pra respondê-las.
Nada podia ser feito,a desobediência ia me matar de tanta dor,o jeito era aguentar.
Subi para o meu quarto a passos lentos,antes me despedi da mamãe e do papai sem que eles percebessem, com um abraço bem mais forte que o de costume,fiz carinho no felpudo,o cão que ganhei no meu aniversário de sete anos, e logo depois depois deitei na minha cama.
Eu queria chorar,juro.
Mas não caiu uma lágrima sequer,o que me fez sentir ainda mais culpada.
Como me restava pouquíssimo tempo,aproveitei pra rodopiar no quarto até cansar,vai que lá eu não tenha um quarto só pra mim,nunca se sabe.
Me despedi dos meus livros e dos meus lápis com cheiro de fruta,pensei por um instante em pedir pra levá-los,dizem que o mundo da morte é tão triste,um pouco de cor alegraria o ambiente,mas logo depois mudei de ideia. Não fazia tanto sentido fazer exigências.
Quando bateu o sono, senti medo,um aperto no peito, chorei pela primeira vez.
Meus olhos já não me obedeciam,embora eu fizesse um esforço penoso para mantê-los arregalados.
Conformada,tive uma última ideia,tomei coragem e deixei um bilhete pra ela.
Por favor,quando a senhora vier me buscar, poderia providenciar meus biscoitos prediletos para o café-da-manhã,esse é um último e único desejo.
Ficaria muito grata,
Clarice
Depois adormeci.
No dia seguinte,acordei com o felpudo me lambuzando. Estava confusa e ainda com sono,desci as escadas lentamente ainda de pijama,passei a mão no olho e avistei de longe, na mesa do café, os meus biscoitos.
Sorri de contentamento.
Sorri de contentamento.
A morte foi boazinha,ouviu as minhas preces e ainda fez desaparecer a minha dor.
PERFEITO
ResponderExcluirsério.
No dia que ce lançar um livro eu compro NA HORA.
*-*
fiz um texto de nome Clarice.
Vejo que mais pessoas tem lembrado da lispector esses dias :}
Own,
ResponderExcluircomo eu fico feliz de ver seus comentários.
muito obrigada pelo carinho.
adoro você.
ps. oosta seu texto no blog,quero ver.
To trabalahndo nele ainda.
ResponderExcluirQuero ver se brotam mais duas páginas, pra ele ser um conto 'grandinho'.
=]
lembrou-me um dia na infancia, minha mae estava doente, minha tia foi passear comigo, qdo cheguei perguntei: papai mamae já morreu?
ResponderExcluircriança não sabe a dimensão da morte...
beijo!
É isso mesmo.
ResponderExcluirAcho interesantíssima essa não dimensão e ao mesmo tempo, essa imensidão e profundidade de conhecer de perto.
Diferente de nós,adultos-que temos medo e mantemos a maior distância possível de todo esse universo.
adorei seu comentário.
Me interesso muitíssimo por infância e depoimentos como esse seu estimulam ainda mais meu interesse.
Muito obrigada,
beijo.