28 de jul. de 2010

O velho moço e a meninada.


Contava um,dois,três,quatro,cinco ... e me cansava logo.
Desistia de contar e ia fazer algo mais útil, sensato e apropriado para as minhas costas. 
Contar atrás da porta, poste ou outra superfície qualquer é coisa de menino e eu já passei dessa etapa faz tempo. Pelo menos na minha cabeça acho que não tenho mais talento pra essas coisas não.
Prefiro deixar a meninada correndo solta na minha frente, a cadeira de balanço fará mais sucesso com meus glúteos enrugados.
Sempre achei brincadeira de criança um espetáculo, o mais bonito de todos. Olha que meu currículo é extenso, já vi quase tudo nessa vida. Passei pelos mais lindos teatros de Irapuã, assisti a peças de tocar o coração, desde os tempos áureos dessa arte. Já xinguei muitos artistas por desperdiçarem meu tempo e dinheiro. Já fui feliz sozinho,parado,na plateia,contemplando uma cena digna. Mas ainda assim acho brincadeira de criança o melhor e mais bonito espetáculo de se ver.
Sento na minha cadeira azul, coloco a caneca de café do lado e dalhe cenas bem coreografadas.
É tanto reboliço, tantos timbres diferentes, tantos instrumentos distintos.
Criança é uma belezura mesmo, tem energia pra ligar qualquer um, usa marra, força e delicadeza ao mesmo tempo. E a gente tem outra saída? Se derrete ali mesmo, diante de vários olhinhos esbugalhados, pedindo com carinho uma participação na brincadeira.
Por isso elas são as mais belas das gravuras, conseguem comover sem usar técnica, profissionalismo ou estratégias ensaiadas.
Se deixassem eu passava o dia todo ali, brincando e des-bricando com eles. Mas sempre havia algum chato que me perturbava esse momento lindo, seja pra contar lorotas ou pra falar das chatices da vida, do telejornal  e do fuxico na feira.
Eu fazia ouvido de mercador,na minha idade já não era tão incômodo mostrar descaradamente as preferências, no fim o máximo desaforo  era ser chamado de velho ranzinza ou de tãn tãn do juízo.
Bom mesmo eram as crianças, que faziam rodinha a minha volta e sempre traziam margaridas de recompensa. Por eles valia a pena ser chamado de louco e receber tantos outros elogios.
No outro dia lá estava eu, com a cadeira na calçada, com a caneca abastecida e com meus amigos na hora marcada,mesmo sem combinação.
E lá começava o espetáculo outra vez ...




Para escutar enquanto lê:

Palavras do Coração - Bruna Caram

2 comentários:

  1. sabe de uma coisa??
    adorei!
    muito bom o texto

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  2. Querida Léia,
    muitíssimo obrigada!
    Sabe, eu escrevo pra mim, pra exteriorizar minha imaginação, meus devaneios.
    Um texto como esse daí de cima surge dessa necessidade, colocar em palavras afetos.
    Que bom que pessoas como você gostam,
    sinal de que a alegria da imaginação continua a partir dele ...
    super beijo!

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