- A raça humana gosta de manter uma distância
considerável das fezes,do lodo e do sujo,
como se a lama se ausentasse com um maior distanciamento.
Que tolice! Essa condição não se torna, se tem!
o poeta
o poeta
A encontrei caminhando entre os trilhos numa manhã chuvosa e sua figura me chamou atenção.
O cabelo escorrido pelo rosto, uma saia vermelha jogada ao corpo alto e magro e uma sacola vazia nas mãos.
Desde esse dia retornei àquele lugar diversas vezes em busca de mais acontecimentos sobre ela, essa figura de tormentas que me deixou sem paz.
Ela morava em um cubículo chulo com vista para as ruínas da estação de trem. Era algo em torno de dois ou três andares condenados, suponho ser esse o motivo de só ela habitar naquele lugar condenável.
Tudo ali era sujo e lamentável, como a carne que cobria seu esqueleto. E se não bastasse a opacidade das cores e a pouca ventilação, o ambiente era fétido e insosso, insuportavelmente inabitável, a não ser por pura necessidade.
Logo mais à direita ela dispunha da companhia do depositório de lixo da cidade, o que contribuía, mais uma vez, para a escassez de presença humana naquelas redondezas, a não ser por extrema necessidade.
Acostumou-se a vizinha de gaviões, moscas e gatos famintos. Acostumara, na verdade, a enxergar a vida por um óculos rachado, torto e de dois graus abaixo do seu. O que sempre lhe rendia alguns tropeços e uma enxaqueca de morrer.
À noite tudo tendia piorar e podia-se ouvir, se ali tivessem ouvidos, seus gemidos inexprimíveis e indecifráveis de
Medo, dor e desespero. Quem nunca experimentou morrer todos os dias na sarjeta, a mercê de ratos, odor e restos, não suporia imaginar a intensidade da condição dela.
Como enxergar alegria onde todos só enxergavam miséria?
Como contemplar o azul do céu se o que se via era tons de marrom por todos os lados e nenhuma flor pra encher os olhos?
Como respirar alfazemas e lavandas quando a obrigação dava apenas uma opção?
Tento imaginar as inquietações daquela sobrevivente e os tantos por quês que lhe rondavam a cabeça, pensamentos de todos os dias.
Mas desisti de imaginar, descrever ou supor a condição dela.
Dessa experiência, o que consigo pensar como poeta é do quanto deve ser mais fácil sonhar com aves esvoaçantes e lírios do campo quando o belo se é presente. E isso não tem mérito algum ou pelo menos não deveria ter.
Mérito é chorar todas as noites sem caber de imaginar a imensidão de um sofrimento, pulsar todas as vísceras em movimentos infindos e doloridos, e ainda assim levantar-se pela manhã, dividir a única comida que se tem com os gatos e optar pela vida.
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Dedico esse texto a muitas gentes e a uma em especial que tive o prazer de conhecer de perto.
Dedico esse texto a muitas gentes e a uma em especial que tive o prazer de conhecer de perto.
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