Diário de bordo

Entre o chão e os ares

O tempo se fazia bom quando Suzana acordou. Sentada na beirada da cama ela balançava os pés no ar. Só mais um pouco e havia de tocar o chão. Mas naqueles segundos o ar era todo seu. Imaginava como seria voar. Seria a mesma sensação que sentiu daquela vez que foi, mesmo que a contra gosto, na montanha russa? Se fosse assim ela não queria voar e aceitava completamente o fato de Deus tê-la colocado no mundo sem asas. Asas claras com leves toques de cor. Ergueu-se devagar e sentiu o chão. Frio. Adorava a chuva, mas detestava o chão frio. Seus joelhos doíam e ela convencia a si mesma que no auge dos seus 23 as doenças dos 70 já haviam chegado.

Poderia somente calçar-se e se livraria do martírio gelado, mas pôr chinelos era contra seus princípios. Somente na rua os usava, por motivos de força maior. Como o terreno de seu quarto era totalmente viável para caminhadas, plantava os pés no chão e agüentava o gelo. Logo se acostumava. Afinal, acostumava-se todas as manhãs de inverno.

Demorou-se no banho quente para espantar o sono. Banho gelado a fazia adormecer. Sempre sofreu dos efeitos contrários. Funcionou enfim. Saiu do banho e pode ver pela porta aberta o seu sono muito bem instalado e preguiçoso na cama. Parecia-se com lençóis brancos com florais nas pontas, mas ela sabia que ele era seu sono de anos. Companheiro que vivia a sua volta. Por vezes nas ocasiões mais impróprias. O espelho, que ficava na parede acima da pia, entre os quadros de gatos com toucas de banho e olhar curioso, estava embaçado pelo pavor e nele ela desenhou. Esticou o braço e fez nuvens ao avesso. Ou como ela diria, fez sonhos ao seu redor para abastecer mais um dia. Glorioso dia.

Alana Ávila
25.01.2011

ps. Ganhei esse texto de presente de uma amiga querida que relatou muito sensivelmente algumas coisas preciosas ao meu coração. Ela o intitulou de Entre o chão e os ares.  Desde então, este blog passou a se chamar assim. Batizado, indiretamente, pela Alana e por suas palavras gloriosas. Que assim seja!