31 de dez. de 2010

Passeio.


Um dia desses me ocorreu um episódio engraçado. Senti necessidade de sair por aí dirigindo sozinha,sem destino,embora nem goste tanto de dirigir. E assim como almejamos o gosto do sorvete,quando o desejamos, almejei um passeio de carro,sozinha. Então realizei. 

Antes, curti o ritual. Peguei as chaves, abri o portão, fiz uma força imaginária que não precisava, olhei alguns vizinhos na calçada, acenei para eles. Entrei no carro, me acomodei de alguma forma naquele espaço imenso, liguei o som, selecionei algumas músicas para essa viagem e dei o play, antes mesmo de ligar o carro.

A música tocou, não recordo qual escolhi para ser a primeira, com certeza não deve ter sido a da ordem. Minhas mãos são buliçosas demais pra respeitar qualquer ordem do som.

Daí aconteceu o que os motoristas sabem: a mecânica da coisa...

Saí sozinha, apenas com algumas músicas para adoçar os ouvidos.

Acelerei,senti o vento escorrer por entre meus dedos, parei no sinais, deslizei na avenida entre os andarilhos. Depois de alguns poucos quilômetros, andei pouca coisa de fato, parei. 

Desliguei o motor debaixo de uma árvore que me desse sombra e invisibilidade. Protegi-me nos vidros escuros e fiquei observando uma cena, no mínimo, curiosa.

Perto da árvore e do lugar que eu havia estacionado havia outras árvores e algumas casas coloridas, cada uma de uma cor, amarela, rosa, azul, verde, lilás, uma vila animada para os olhos. Era uma rua bem grande, com casas modestas e realmente bem feitas. Uma arquitetura visual harmônica que parecia não projetada, mas pura sorte.

Na frente da vila estava uma criança. Algumas, na verdade. Mas o motivo de eu parar o carro e o meu passeio foi uma em especial.

Era a coisa mais bonita que eu já vi nessa terra. Destoou de todos o outros, tinha um quê de aventura. Franzino, com uma camisetinha azul e um short jeans. Descalço, borrado na terra molhada. Amigo dela, talvez. Tinha olhos firmes e umas mãos carinhosas.

Parei o carro quando o avistei pendurado no galho fino da árvore, tive a sensação de vê-lo cair feio e senti pena. Ele não caiu, pelo contrário, se balançava de lá pra cá, aumentando e diminuindo o ritmo, numa dança sem fim. Olha que o galho era fino e o garoto não se importava. Descia e subia para repetir o mesmo movimento, até cansar e começar tudo outra vez. Era a coisa mais engraçada de se ver, ele todo mirradinho, se escorregando pelo galho, morrendo de achar graça naquilo.

Tinha uma formosura de contentamento, um brilho diferente das outras crianças que brincavam ao longe. Ele não deixava a árvore por nada, repetia o mesmo movimento sei lá quantas vezes e recomeçava limpando o suor.

Tive vontade de descer do carro, enchê-lo de perguntas banais e devorar alguma parte daquela alegria. Não desci, estragaria a festa de algum modo e talvez a brincadeira perdesse a graça.

Continuei acompanhando dos vidros do carro, invejando a festa dele, vendo felicidade entre uma criança e uma árvore.

Ele não cansava, eu cansei. Liguei o carro, passei pertinho dele, sorri, suspeito até que ele tenha me visto, mas só para mim ele não era mais estranho, eu era só mais um carro passando.  

Passei. Segui viagem. Ele ficou em todos os sentidos.


___________________________________________
Imagem retirada do blog Caixa Mágica, com algumas alterações.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Aceita um café?!